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A CAPTURA - CAPÍTULO 10


A prova da vossa fé opera a paciência. [51]

Na capela, Honório se encontrava sentado em companhia de um ou dois mais, entre quem estava a irmã Cecília. Os mortiços raios de uma única lâmpada alumiavam o cenário muito debilmente. Todos os presentes estavam silenciosos e tristes. Sobre eles pesava uma melancolia mais profunda do comum. Em volta deles se ouvia o barulho de passos e de vozes e um confuso murmúrio de atividade vital.
De forma repentina e rápida se ouviram passos, e entrou Marcelo. Os ocupantes da capela saltaram sobre seus pés com exclamações de gozo.
— Onde está Pólio? — perguntou Cecília com vivo interesse.
— Eu não o vi — disse Marcelo.
— Não o viu! — e ela voltou cair sobre o assento.
— Mas, o que acontece? Já devia ter voltado?
— Devia ter voltado seis horas atrás, e isso me deixa louca de ansiedade.
— Não há perigo — disse Marcelo, tentando consolá-la— . Ele sabe cuidar-se... — e procurou que não percebessem sua preocupação, mas seu olhar traia suas palavras.
— Que não há perigo! — gritou Cecília— Aí de mim, nós sabemos já todos os novos perigos que há. Jamais tem sido tão perigoso como até agora.
— O que aconteceu para que demorasses tanto, Marcelo? Te dávamos por morto.
Marcelo respondeu:
— Eu fui detido perto da Via Ápia. Devi soltar a carga e correr ao rio. A turba me seguiu, mas eu mergulhei nas águas e passei a nado. Dali tomei uma rota em envolvendo as ruas do outro lado, depois do qual voltei cruzar e assim cheguei aqui são e salvo.
— Escapaste miraculosamente, pois ofereceram resgate pela tua cabeça.
— Já sabiam vocês disso?
— Obviamente que sim, e muito mais. Soubemos dos redobrados esforços que eles estão fazendo para aniquilar-nos. Durante todo o dia têm estado chegando notícias de dor. Mais que nunca devemos confiar-nos que somente Ele pode salvar-nos.
— Ainda podemos frustrar seus planos — disse Marcelo com ar de esperança.
— Mas eles estão vigiando nossa entrada principal — disse Honório.
— Então devemos fazer novas. As fendas são inumeráveis.
— Eles estão oferecendo recompensa por todos os irmãos proeminentes.
— E daí? Cuidaremos desses irmãos, guardando-os mais que nunca.
— Nossos médios de subsistência estão diminuindo gradualmente.
— Mas existem tantos ousados e fiéis corações como sempre. Quem tem temor de arriscar sua vida agora? Nunca faltará a provisão de alimento enquanto permaneçamos nas catacumbas. Pois se nós conseguimos escapar à perseguição, traremos o auxílio aos nossos irmãos; e se morremos, receberemos a coroa do martírio.
— Tens razão, Marcelo. Tua fé dá vergonha aos meus temores. Como podem temer a morte aqueles que vivem nas catacumbas? Se trata somente de umas trevas momentâneas e logo tudo passará. Mas no dia de hoje ouvimos dizer muito que faz desesperar nossos corações e afoga nossos espíritos até fazer-nos desmaiar.
— Aí de mim — continuou Honório com voz dolorosa— , como se disseminou a gente, e as assembléias ficaram desoladas. Não faz senão alguns meses que havia cinqüenta assembléias cristãs dentro da cidade, onde brilhava a luz da verdade, e as vozes das orações e dos louvores ascendiam até o trono do Altíssimo. Agora foram abatidas, e o povo foi dispersado e lançado fora da vista dos homens.
Fez uma breve pausa, vencido pela emoção, e depois, com sua voz baixa e amargurada, repetiu as palavras afligidas do Salmo 80:

O Senhor Deus dos Exércitos,
até quando te indignarás contra a oração do teu povo?
Tu os sustentas com pão de lágrimas,
e lhes dás a beber lágrimas com abundância.
Tu nos pões em contendas com os nossos vizinhos,
e os nossos inimigos zombam de nós entre si.
Faze-nos voltar, oh Deus dos Exércitos,
e faze resplandecer o teu rosto,
e seremos salvos.
Trouxeste uma vinha do Egito;
lançaste fora os gentios, e a plantaste.
Preparaste-lhe lugar,
e fizeste com que ela deitasse raízes,
e encheu a terra.
Os montes foram cobertos da sua sombra,
e os seus ramos se fizeram como os formosos cedros.
Ela estendeu a sua ramagem até ao mar,
e os seus ramos até ao rio.
Por que quebraste então os seus valados,
de modo que todos os que passam por ela a vindimam?
O javali da selva a devasta,
e as feras do campo a devoram.
Oh! Deus dos Exércitos, volta-te,
nós te rogamos, atende dos céus,
e vê, e visita esta vide;
E a videira que a tua destra plantou,
e o sarmento que fortificaste para ti.
Está queimada pelo fogo, está cortada;
pereceu pela repreensão da tua face. [52]

— Tu estás triste, Honório — disse Marcelo— . É verdade que nossos sofrimentos aumentam sobre nós; mas podemos ser mais que vencedores por meio dAquele que nos amou. O que Ele disse? "Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus" [53]. "Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida" [54]. "Ao que vencer darei a comer do maná escondido, e dar-lhe-ei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe" [55]. "E ao que vencer, e guardar até ao fim as minhas obras, eu lhe darei poder sobre as nações... e dar-lhe-ei a estrela da manhã" [56]. "O que vencer será vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida; e confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos" [57]. "A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu, do meu Deus, e também o meu novo nome" [58]. "Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no meu trono; assim como eu venci, e me assentei com meu Pai no seu trono" [59].
Ao falar Marcelo estas palavras, se ergueu e seus olhos brilharam, e seu rosto corou de entusiasmo. Suas emoções foram transmitidas a seus companheiros, e conforme caiam estas promessas uma a uma em seus ouvidos, eles esqueceram por um momento suas penas e dores sob o pensamento de sua próxima bem-aventurança. A nova Jerusalém, as ruas douradas, sem palmas de glória e os cantos do Cordeiro, o rosto dAquele que está sentado no trono; tudo isso estava realmente presente em suas mentes.
Honório disse:
— Marcelo, tiras-te minha tristeza com tuas palavras; sobreponhamo-nos, pois, a nossas dificuldades terrenas. Vamos, irmãos, deixamos de lado nossas penas. Pois este irmão recém nascido no reino mostra tal fé que nós devemos imitar. Olhemos, pois, o gozo que nos foi proposto. "Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus" [60]
E continuou falando:
— A morte está muito perto, e se aproxima cada vez mais. Nossos inimigos nos têm cercados, e o cerco é cada vez mais estreito. Morreremos, pois, como cristãos.
Marcelo exclamou:
— Por que esses tristes presságios? Acaso a morte está mais perto que antes? Não estamos seguros nas catacumbas?
— Não soubeste, então?
— Saber quê?
— Da morte de Crispo!
— Crispo! Morto! Não! Como? Quando?
— Os soldados do imperador foram guiados pelas catacumbas por alguém que conhecia a rota. Penetraram no salão onde estavam celebrando o serviço de adoração. Isso foi nas catacumbas limítrofes ao Tíber. Os irmãos deram apressado alarme e fugiram. Mais o venerável irmão Crispo, seja por causa de sua extrema velhice, ou pela resolução de sofrer o martírio, não quis fugir dos inimigos. Limitou-se a ajoelhar e elevar sua voz em oração a Deus. dois assistentes fiéis permaneceram com ele. Os soldados se abalançaram sobre ele, e enquanto ainda permanecia orando de joelhos, bateram nele até derramar seus miolos. Caiu morto no primeiro golpe, e os dois irmãos renderam também sua vida ao seu lado.
— Eles voaram a unir-se àquele exterior de mártires. Eles, pois, foram fiéis até a morte, e receberão a coroa de vida — disse Marcelo com vivo entusiasmo.
Mas nesses instantes foram interrompidos por um tumulto no exterior. Ao instante ficaram todos assustados.
— Os soldados! — exclamaram.
Mas não; não eram soldados. Eram mais bem um cristão, um mensageiro desse hostil mundo externo. Pálido e tremendo caiu no chão. Contorcendo-se clamou com seus últimos hálitos de vida.
A presença desse homem produziu um efeito extraordinariamente aterrador sobre Cecília. Ela cambaleou, caindo para trás contra a parede, tremendo desde os pés até a cabeça, travando suas mãos uma contra a outra. Seus olhos pareciam sair-se de suas órbitas, os lábios contraídos como se quisesse falar, mais não se ouvia o menor som.
— Fala! Fala, irmão! Conta-nos tudo! — exclamou Honório.
— Pólio! — balbuciou o mensageiro.
 — O que aconteceu com ele — disse veementemente Marcelo.
— Foi capturado. Está na prisão!
Ouvindo isso, um grito agudo de mortal amargura se difundiu pelas imediações, semeado o terror. Era o uivo da irmã Cecília, quem não tardou em cair no chão.
Os que a seu lado estavam acudiram a atendê-la. A levaram a seu quarto. Uma vez ali, lhe aplicaram os habituais estimulantes até revivê-la. Mas o golpe a havia afetado gravemente, e embora voltou em si, ficou em tal estado que parecia que sonhava.
Enquanto isso, o mensageiro tinha recuperado as forças, e havia dito tudo quanto sabia.
Marcelo lhe perguntou:
— Pólio foi com você, verdade?
— Não, ele estava sozinho.
— Para que tinha saído?
— Estava tentando ter notícias, e já voltava. Caminhamos até que chegamos onde havia uma multidão de homens. Para surpresa minha, Pólio foi detido e submetido a interrogatórios. Eu já não ouvi o que aconteceu, mas alcancei a ver seus gestos de ameaça, e finalmente vi que o prenderam. Nada pude fazer por ele. Mantive-me a uma distância de segurança e observei. Como meia hora depois se apresentou uma tropa de pretorianos. Pólio foi entregado a eles e o levaram.
— Pretorianos? — disse Marcelo— . Reconheceu o capitão?
— Sim, era Lúculo.
— Está bem — disse Marcelo, e ficou sumido em profunda meditação.

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