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O JUÍZO DE PÓLIO - CAPÍTULO 12


Pela boca dos meninos e das criancinhas de peito tiraste o perfeito louvor [64].

Num edifício não longe do palácio imperial havia um amplo salão, seu piso era de mármore, que se mantinha sempre brilhante, e enormes colunas de pórfiro suportavam o teto. No extremo da habitação havia um altar com uma estatua de uma deidade pagã. E no lado oposto, os magistrados, luzindo suas togas oficiais, ocupavam assentos relevantes. Diante deles havia alguns soldados vigiando o prisioneiro.

O único prisioneiro esta vez era o menino Pólio.
A palidez de seu rosto contrastava com seu porte esguio e firme. A extraordinária inteligência que o havia caracterizado sempre não o abandonou nesses momentos solenes. Seus ágeis olhares captavam todos os detalhes desse cenário. Ele sabia bem a inexorável condena que pendia iminentemente sobre ele. E contudo, nem o menor traço de temor ou de indecisão passava sequer por ele.
Já sabia que o único vínculo que o havia unido à terra tinha partido. As primeiras horas daquela manhã o haviam saudado com a notícia de que sua mãe tinha sido chamada lá cima. Tinha sido transmitida por uma pessoa que entendia que o fortaleceria em sua resolução. Esse mensageiro era Marcelo. O pensamento tinha sido acertado. Enquanto sua mãe vivia, o pensar nela poderia ter debilitado sua resolução; porém agora, liberado ela das catacumbas por Cristo, ele estava animado do mais vivo anelo de partir também. Em sua fé simplíssima acreditava que a morte o uniria num instante a sua bem-amada mãe. Animado deste sentimento, esperava avidamente o interrogatório.
— Quem é você?
— Maços Servílio Pólio.
— Que idade tem?
— Treze anos.
diante a mera menção de seu nome um murmúrio de compaixão se difundiu entre a assembléia, pois esse nome era muito conhecido em Roma.
— Se te acusa do delito de ser cristão. O que respondes?
— Excelência, eu não sou responsável de nenhum delito — disse o menino— . Eu sou cristão, e me compraz intimamente poder confessá-lo perante os homens.
— É o mesmo que costumam dizer todos eles — disse indiferentemente um dos juízes— . Todos eles têm a mesma fórmula.
— Você sabe qual a natureza de seu crime?
— Eu não cometi crime nenhum! — disse de novo Pólio— . Minha fé me ensina a temer somente o Deus vivo e honrar o imperador. Todas as leis juntas sempre obedeci. Não sou, pois, nenhum traidor.
— Ser cristão é ser traidor.
— Cristão eu sou, porém traidor, não!
— A lei do estado te proíbe ser cristão, sob pena de morte. Portanto, se você é cristão, deve morrer.
— Eu sou cristão — repetiu Pólio firmemente.
— Então deves morrer.
— Amém. Assim seja.
— Mas, rapaz, você sabe o que é sofrer a morte?
— A morte? Ah! Tenho visto demasiado da morte durante os últimos meses. E sempre estive à expectativa do momento em que pudesse oferecer minha vida pelo meu Senhor ressurreto, quando meu turno chegasse.
— Rapaz, você é muito jovem. Nós te compadecemos por tua curta idade e falta de experiência. Você foi instruído especialmente e em forma tão peculiar que apenas pode ser responsável desta temerária loucura. Por todas estas considerações desejamos fazer-te concessões. Esta religião que te cega estupidamente é uma idiotice. Você acredita que um pobre judeu, que foi crucificado duzentos anos atrás, é Deus. existe por ventura algo mais absurdo que isto? Nossa religião é a religião do estado. Tem em si o suficiente para satisfazer as mentes dos menores e dos adultos, dos ignorantes e dos sábios. Deixa, pois, essa néscia superstição e volta à religião mais sabia e mais antiga.
— Eu não posso.
— você é o último de uma família nobre. O estado reconhece a dignidade e a nobreza dos Servílio. Teus antepassados desfrutaram de pompa, de riqueza e de poder. Você agora é um rapaz pobre e miserável e prisioneiro. Seja, pois, sábio, Pólio. Pensa na glória de teus ancestrais e deixa de lado o miserável obstáculo que te está segregando de toda a ilustríssima fama deles.
— Eu não posso.
— Você tem vivido como um miserável réprobo. O mendigo mais pobre de Roma a passa muito melhor que você. Seu alimento o obtém com menos esforços e menos humilhação. Seu refúgio está à luz e ao ar do dia. E sobre tudo, ele sempre está seguro. Sua vida é dele. Não tem necessidade de viver um permanente temor da justiça de Roma. Mas você teve que arrastar uma vida, a mais miserável, sempre em necessidade urgente, em perigo, nas trevas. Que, pois, te deu tua ponderada religião? O que fez por você aquele judeu deificado? Nada. E pior que nada. Volta, pois, de seguir os passos deste enganador. Em troca terás a riqueza, a comodidade, os amigos e as honras do estado e o favor do imperador. Tudo será teu.
— Eu não posso.
— Teu pai foi um súbdito leal e um valente soldado. Ele morreu pela sua pátria no campo de batalha. Te deixou muito pequeno, mas como o único herdeiro de todas suas honras e como último pontal de sua nobre casa. Longe estaria ele de pensar sequer nas pérfidas influências que te cercariam descaminhando-te à perdição. Tua mãe, com sua mente debilitada pela dor, se rendeu às insidiosas astúcias dos falsos mestres, e da mesma forma ela em sua ignorância lavrou sua própria ruína. Se teu pai vivesse, você seria agora a esperança de sua nobilíssima casta; tua própria mãe também teria seguido fiel è fé de seus ilustres antepassados. Não valora você a memória de seu pai? Acaso não te corresponde para com ele um dever filial? Não pensa que é pecado amontoar desonra sobre o glorioso nome que deves orgulhar-te de levar, arrojando sobre ele a injúria de tua traição, sendo um nome que te foi transmitido sem mácula? Deixa, pois, essas ilusões insanas que te cegam. Pela memória de teu pai, pela honra de tua família, afasta-te deste caminho que tomaste.
— De forma alguma cometerei eu essa desonra. Minha fé é pura e santa. Eu posso morrer, mas não posso trair a meu Salvador.
— Você está vendo que mostramos misericórdia. Teu nobre nome, assim como tua inexperiência, nos provocam lástima. Se você fosse um prisioneiro comum te ofereceríamos em poucas palavras a simples eleição entre retratar-te ou morrer. Porém neste caso desejamos arrazoar com você, porque não queremos que se extinga uma nobre família pela ignorância ou obstinação de um herdeiro degenerado.
— Eu agradeço por todas estas considerações — disse Pólio— , mas esses argumentos não significam nada para mim ante a suprema autoridade de meu Deus.
— Moleque temerário e irreflexivo! Acaso você pode encontrar um argumento mais poderoso? A ira do imperador é irresistível.
— Ainda mais terrível é a ira do Cordeiro.
— Isso que falas é uma linguagem sem inteligência. O que é isso que você chama de ira do Cordeiro? Por que não reflexionas sobre o que está agora sobre tua cabeça?
— Meus irmãos e amigos já suportaram tudo o que vocês podem fazer ao corpo. E eu confio que Ele me sustentará com igual fortaleza.
— Mas, poderás suportar os terrores da arena?
— Eu conto com a fortaleza do que venceu a morte.
— Poderás enfrentar os leões e tigres selvagens que se precipitarão contra você?
— Aquele em quem eu confio não me abandona no momento em que o necessito.
— Você está muito confiado.
— Precisamente confio nAquele que me amou a tal ponto que se entregou a si mesmo por mim.
— Mas, não pensaste na morte pelo fogo? Estás pronto a enfrentar a morte nas chamas da pira?
— Ah! Se devo sofrê-las, não me estremeço. No pior delas conto com meu Deus, e depois para sempre estarei com Ele.
— Estás possuído do fanatismo e da superstição. Não sabes o que em realidade te espera. É. Pois, muito fácil fazer frente às ameaças, é fácil pronunciar palavras e fazer alarde de valor. Mas o que será de você quando te vejas frente à terrível realidade?
 — Pis olharei para Aquele que nunca abandona os seus na hora da prova.
— Ele não fez nada por você até agora!
— Ele já fez tudo por mim. Ele deu sua própria vida para que eu viva. Por Ele eu tenho uma vida que é mais nobre e que é eterna e que não se pode comparar com a que vocês me tiram.
— Isso não é senão um sonho teu. Como é possível que um judeu miserável possa fazer isto?
— Ele é a plenitude da divindade, Deus manifesto em carne. Ele sofreu a morte do corpo para que nós recebêssemos vida para a alma.
— Mas não há nada que possa abrir teus olhos? Não te basta que até agora essa louca crença não tenha te trazido senão miséria e dor? Vas insistir nessa crença? Agora que vês que a morte é inevitável, não desejar voltar de teus erros?
— Ele mesmo me dá fortaleza para vencer a morte. Não a temo. A morte para mim não é mais que um simples passo desta vida de dor e de gemidos a uma bem-aventurança imortal. Bem seja que eu morra devorado pelas feras selvagens ou pelas chamas, dará o mesmo. Ele me fortalecerá para que possa permanece-Lhe fiel. Ele mas sustentará e levará meu espírito no mesmo instante à vida imortal dos céus. A morte, que vocês temem e com a que me ameaçam, não tem terrores; porém a vida, essa vida a qual me convidam, tem conseqüências mais terríveis que mil mortes nas chamas.
— Por última vês, rapaz, te damos uma oportunidade. Menino temerário, acalma-te e medita por um momento em tua néscia carreira de insensatez. Prescinde por um instante dos dementes conselhos de teus fanáticos mestres. Reflete em tudo quanto te disseram. Ainda tem a tua disposição a vida, cheia de gozo e de prazer, uma vida rica em toda bênção. A honra, os amigos, a riqueza, o poder: tudo é de você. Um nome nobre e as possessões de tua família estão te esperando. Tudo isso é teu por herança! Hoje para ganhar estas coisas você não deve fazer nada senão tomar esta copa e derramar seu conteúdo naquele altar. Toma, filho! É o ato mais simples, o que se te pede que faças! Resolve-te e executa-o! salva tua vida, salva-te dessa morte angustiosa!
Todos os olhos dos presentes estavam cravados em Pólio no momento em que lhe faziam esta última oferta. Pois até aqui os havia enchido de assombrosa admiração a firmeza com que se mantinha. Isso sobrepujava o entendimento de todos eles.
Todavia, embora esta última instancia fosse tão insidiosamente tentadora, não causou o menor efeito. Pois o menino, com palidez em seu rosto mas com fogo veemente na alma, fez e uma lado com firme serenidade a copa que lhe era proposta.
— Jamais trairei meu Salvador, que está ao meu lado!
Diante daquelas palavras se fez uma pausa momentânea. E depois se ouviu a voz do magistrado supremo da justiça romana.
— Você pronunciou sua própria sentença mortal. Tirem-no daqui — ordenou a continuação aos soldados que estavam presentes.

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